O livro espírita como legado e perpetuação dos ideais cristãos

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Perde-se na linha do tempo o instante em que o homem percebeu sua capacidade de expressar-se em um suporte - externo a si - capaz de perpetuar seu pensamento. A Cultura, que é o transbordamento da significação individual das coisas para seu compartilhamento, nasce no momento em que, diante da complexidade dos acontecimentos inexplicáveis, o homem sente a necessidade de aplacar seu medo, “escrever” sua trajetória no mundo e deixar marcas no caminho.

A história da civilização sempre esteve vinculada ao pensamento religioso. Ao diferenciar-nos das coisas e buscar a compreensão dos fenômenos incontroláveis e reverenciarmos a morte – inexplicável para a concepção humana mesmo hoje – fizemos nossos primeiros registros ao adornarmos as sepulturas de nossos semelhantes, que, repentinamente, partiam e se consumiam na deterioração de seus restos mortais. Marcas de sinalização eram necessárias, não só para o registro da localização daquele lugar, como também, para reverenciar a vida dos afetos rompidos. 

Registros gráficos deixados nas cavernas, além de contarem a história cultural já existente, refletem o desejo que - tanto quanto o de hoje - o homem primitivo tinha de registrar sua passagem pela vida e marcar sua história. Tudo o que veio depois - do transporte ao telégrafo; aos tipos móveis, que possibilitaram a propagação da escrita; aos livros e jornais; aos satélites e todas as demais mídias eletrônicas de agora - simplesmente, tudo é consequência dessa necessidade íntima de compartilhamento, interação e comunicação humana.

A tradição oral, pela qual as rememorações culturais eram transmitidas de geração a geração, pouco a pouco, foi complementada pela descoberta da possibilidade de registros mais duráveis e menos deturpáveis. O livro, em sua versão mais antiga, consistia em uma pequena tabulinha de barro cozido, utilizado pela grande civilização do rio Eufrates. Os egípcios do vale do rio Nilo logo encontrariam outro tipo de suporte e passariam a utilizar o papiro; ambos, minuciosamente produzidos pelas mãos habilidosas dos artesãos. No Oriente, principalmente, com a invenção do papel (pelos chineses) e a utilização de tipos móveis de barro cozido, foi encontrada a solução mais eficiente para uma produção literária. No Ocidente, atribuiu-se a Gutemberg, a impressão dos primeiros livros com tipos móveis de chumbo fundidos, na Europa. Os 200 exemplares da Bíblia de Gutemberg foi um dos primeiros impressos em sua oficina, no século XV. 50 anos depois do advento da prensa móvel, mais de 30 mil livros seriam impressos. Daí em diante, a arte da imprensa difundir-se-ia por todos os países europeus, alcançando-nos - e competindo com toda a eficácia - na atualidade midiática do nosso tempo.

É certo que a mensagem extraterrestre de Jesus não carecia de registros físicos para sua propagação.  Sua origem divina encontrou (e sempre encontrará) canais capazes de irradiá-la em todos os corações, dirigida, que é às almas imortais. Mas, não podemos esquecer que, embora inscrita, indelevelmente, na consciência humana, perpetuou-se, historicamente, e chegou até nos, pelos registros físicos, inicialmente, escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João.

A Europa do século XIX, já encontrara um mundo e um homem bastante civilizados. Nessa época, o livro já havia se tornado acessível à população. Escrever naquele tempo era uma tarefa bastante árdua. Exigia grande disciplina, disponibilidade, arte e um incomensurável esforço físico. O automóvel ainda não havia sido inventado (só em 1885); o avião só viria a ser em 1906; o telefone só seria implantado definitivamente em 1892. Um escritor não podia fazer suas leituras e pesquisas à luz da energia elétrica, que só seria inventada em 1879. O homem daquele tempo, ainda iria conhecer o rádio (1895), o fonógrafo (1877), a máquina de escrever (1870), o automóvel (1885) e o avião (1906).

Éem meados de uma Europa do século XIX, no ceio de uma civilização, considerada desenvolvida, que, a partir de uma decisão pessoal, no cumprimento de um propósito existencial, destacar-se-ia a figura ímpar do professor Hippolyte Léon Denizard Rivail. Instigado pelo espírito lúcido de um pesquisador cuidadoso, sem mesmo dar-se conta da significação do seu compromisso com a Humanidade e os Imortais, pesquisou, reuniu, codificou e difundiu as primeiras luzes da Doutrina Espírita. Mesmo que, a princípio, motivado pelo ceticismo científico de sua formação acadêmica, ao assumir a tarefa de desvendar o indevassável, diante da grandiosidade de sua descoberta, Rivail fez transbordar todo o legado do seu trabalho sob o formato de um singelo e único livro, o qual, posteriormente, de maneira prodiga e profícua, prontamente, seria sucedido por mais quatro de sua lavra. O Livro dos Espíritos, lançado em Paris, em 18 de abril de 1857, a partir desse marco, logo encontraria eco nas mentes mais esclarecidas da veneranda capital francesa, incendiando mentes e corações com o fogo da verdade, por toda a Europa, e, hoje, com replicações no mundo inteiro.

Com a publicação de um singelo e despretensioso livro, cujo primeiro traço teve início na decisão de ir além, o emérito educador francês e dileto discípulo de Pestalozzi, deixou marcada para sempre suas pegadas no mundo, sem saber que teria pouco mais de quinze anos para concluir a obra iniciada, em abril de 1857. Ele sequer pressentiria, mas, sua dedicação incansável legaria a Humanidade um novo paradigma de conhecimento. À luz do Pentateuco kardequiano, pode o homem de hoje, debruçar-se, inicialmente, na leitura de um único livro, e, com esse simples gesto e decisão, tornar-se mais capaz de captar, compreender e filtrar a realidade que o cerca, e, acima de tudo, ajustar e ampliar sua concepção de mundo, de si e da própria existência bidimensional humana.

O professor Hippolyte não vivenciou nenhuma das invenções que hoje desfrutamos no conforto tecnológico e científico de nosso século. No entanto, o transbordamento de suas ideias, suas conclusões e convicções, coroando todo o esforço empreendido, concretizar-se-ia, e difundir-se-ia, nas simples páginas de um primeiro livro. A partir de 18 de abril de 1857, a História do Pensamento Filosófico-Religioso-Ocidental enriqueceu-se; nada mais seria como antes; um novo paradigma do conhecimento humano estaria disponível ao homem de todos os tempos. Sua rica obra literária situou-o como o Codificador da Doutrina Espírita, alçando Allan Kardec (pseudônimo com o qual assinaria sua obra-espírita) no patamar dos grandes pensadores da historiografia humana. Parte do encoberto e incompreensível revelara-se. O aniquilamento deixara de fazer parte da grandiosidade da existência humana. A morte não mais seria considerada o fim da história. A conquista intermitente de patamares mais elevados passaria a ser a verdadeira e gloriosa destinação do homem imortal. O Deus Cristão, melhor compreendido.

Reflitamos, pois, sobre a importância desse legado perenizado por esse único e primeiro livro, que, para nós, espíritas, além de um marco na história do pensamento humano, adquire, hoje, significado semelhante aos vestígios dos escritos de Mateus, Marcos, Lucas e João, para a consolidação histórica da mensagem cristã.

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