Começa o terceiro quartel do século XIX Sombreado por cúmulos borrascosos, precursores de hecatombes morais.
Às agitações políticas sucedem-se as contendas filosóficas. Concepções ousadas triunfam nas academias, criando escolas que se diferenciam apenas em sutilezas atraentes para as mentes sequiosas de novidade e renovação.
Sobrepujando as convulsões sociais, o saber e a cultura dominam.
Vencendo as tradições e crendices, as conquistas científicas arregimentam aficcionados. Descobrimentos valiosos implantam diretrizes modernas, coroando de êxito as mentes investigadoras.
Desdenhando os impositivos religiosos e a "cólera divina", crescem as fileiras do cepticismo e da negação.
A ciência triunfa sobre a fé.
A razão vence a acomodação.
Conhecimento e raciocínio dirigem o pensamento.
Extravagâncias intelectuais, obsoletas e ridículas, ruem, por fim.
Paris, emergindo do "século das luzes", transforma-se em capital do mundo intelectual.
As perquirições não cessam. Idéias nascem sobre os escombros e idéias que morrem.
A libertação mental origina o desequilíbrio moral.
A carreira desenfreada nas trilhas da investigação produz inquietação emocional, favorecendo o desvario e a loucura.
O materialismo campeia.
"Ciência e Razão, eis os meus deuses" - afirmam, apressadamente, os investigadores dementados pelo narcisismo de que se acham possuídos.
Todavia, a razão desaponta os que nela confiam apaixonadamente. A ciência, a despontar, não responde a todas as torturantes indagações.
Após os primeiros triunfos, os primeiros desencantos assinalam os dias que darão origem à maturidade dos descobrimentos.
A arrogância, entretanto, de alguns cientistas, não fomenta a esperança nos legítimos investigadores. E a inquietação se desenvolve nas mentes e nos corações, não preparados para uma violenta e radical transformação nos costumes e nas idéias.
Depois dos júbilos, o cansaço; e com ele a oportunidade de meditar, conferindo os valores legítimos da vida com os aparentes valores da experiência carnal. Novas indagações substituem anteriores conclusões, e Deus volta a ser motivo de cogitação e busca.
No túmulo - afirmava-se - encerram-se todos os sonhos, apagam-se todas as luzes do ideal, destroem-se todas as condições da vida ... E se alguém, mais tímido, indaga a respeito das realidades da alma, o sorriso orgulhoso dos sábios, igualmente atormentados, é a resposta zombeteira. Se as mesmas indagações chegam aos ouvidos dos cultores do pensamento filosófico, a superioridade deles desdenha do humilde indagante, indiferentes às tormentas do coração. Se a mesma inquietação concernente ao futuro do espírito alcança os mantenedores da fé bruxuleante, não encontra resposta, por estarem os líderes muito angustiados pelos problemas políticos da organização religiosa.
Tem-se a impressão de que tudo está perdido e uma grande dor toma corpo entre os sinceros indagadores e os humildes cultuadores da esperança.
No entanto, através da Mãe-Natura, constata-se que as células da humilde borboleta são constituídas da vitalidade do pesado paquiderme e que o vento que esfacela a flor é o mesmo que conduz o leve pólen para fecundar outra flor mais além. Como admitir-se, ante legislação tão sábia e prudente, que o homem caminhe inexoravelmente para o "nada", a consumpção?
Alternam-se, então, as preces dos simples e as blasfêmias dos presunçosos. Misturam-se lágrimas de expectativa e esgares de revolta.
É nesse momento de expressivas e complexas realidades que aparece O LIVRO DOS ESPÍRITOS, como resposta do Céu às perguntas aflitas da Terra. Estudando o Autor Divino no cenário magnificente da Criação, Allan Kardec, o patriarca da Doutrina Espírita, ordena, comenta, analisa e apresenta conclusões felizes sobre os ensinamentos ministrados pelos Espíritos, revolucionando vigorosamente os vigentes conceitos sobre Deus, a alma, a moral e a esperança.
Com uma "lógica de bronze", Allan Kardec recolhe, estuda e explica "das causas primárias ao Mundo Espírita, ou dos Espíritos e das leis morais às esperanças e consolações", num decrescendo majestoso, em que Deus e Universo, Criação e Princípio Vital surgem como um prólogo transcendente, para estudar meticulosamente o espírito, desde sua origem e natureza até as crendices e superstições, concepções e idéias sobre esse princípio essencial da vida inteligente na Terra e em toda parte. Logo depois, mergulhando a mente nas fontes do Pensamento Divino, elucida o conturbado panorama das leis divinas, catalogando todas as obrigações da criatura em relação ao seu Criador, ao próximo e a si mesma, concluindo com uma feliz apresentação sócio-filosófica em torno das esperanças e consolações reservadas aos que se demorarem nas lutas nobilitantes.
Todas as armas se levantam contra o livro monumental.
Na impossibilidade de destruir os conceitos superiores contidos na respeitável obra, combate-se o autor. Não se podendo vencer a idéia, persegue-se o veículo através do qual se corporificou.
Mas Allan Kardec estava preparado para a reação. O Livro dos Espíritos veio e ficou. Seus ensinamentos aí estão, insuperáveis, atravessando os tempos.
Lêem-no mentes humildes e cérebros cultivados.
Estudam-no corações simples e espíritos lúcidos. Acessível a todas as mentes, responde às questões básicas do pensamento, dirigindo todos para Aquele que é a vida da Vida.
E, à medida que se tenta seccionar-lhe o organismo doutrinário, surgem luminosas avenidas para o espírito investigador.
Com ele renasce o Cristianismo, simples e puro, incorruptível e nobre, dos primeiros tempos, convocando os homens para as fontes eternas da paz e da alegria, transformando-se em roteiro insuperável dos tempos.
Fonte: livro “À luz do Espiritismo”, de Divaldo Pereira Franco