Via Láctea de Amor

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A Galiléia gentil descia dos montes esparramando-se em uma larga faixa de terra verde e fértil, na qual, a vida se apresentava estuante.

Crianças gárrulas e pássaros cantantes, homens laboriosos trabalhando o solo e negociando pelas ruas amplas das inúmeras cidades que se multiplicavam, modestas umas, esplendorosas outras, formavam a Tetrarquia que não era considerada pelos judeus jactanciosos e soberbos de Jerusalém.

Seguindo um velho brocardo depreciativo, sempre perguntavam, solertes: Que pode vir de bom, da Galiléia?

E veio o melhor, uma verdadeira via láctea de amor dali se espraiou por toda a Terra, alterando a paisagem social e moral do planeta sofrido.

O esplendoroso mar ou lago de Genesaré favorecia a região quente com ameno clima, e o milagre das suas águas piscosas que os ventos eriçavam de quando em quando, em forma de tormentas passageiras, apresentavam-se, normalmente, tranqüilas e espelhadas.

Em Cafarnaum, que se ufanava de possuir uma sinagoga, a Natureza fora pródiga em gentilezas, tornando-a aprazível, generosa, sem as complicações das grandes urbes, mas também, sem a ingenuidade excessiva dos pequenos burgos.

Nos declives dos outeiros e pela terra ampla, flores miúdas misturavam-se, na primavera, com as rosas trepadeiras que ornamentavam as residências, e igualmente com as que espocavam nas árvores altaneiras e frutíferas em festa de enriquecimento alimentar.

Movimentos nas praias, na faina de cuidar das redes de pescar, e rebanhos nos arredores eram tangidos docentemente por pastores requeimados do Sol, completando o cenário dos homens e das mulheres simples e confiantes que habitavam o seu casario de pedras vulcânicas.

A formosa bacia de águas refletindo o céu infinitamente azul, quase sempre sem nuvens, constituía uma bênção incomum, sempre renovadas pelo Jordão tranqüilo, no seu périplo sinuoso na direção do Mar Morto em pleno deserto, era invejada pelas cidades que não a podiam desfrutar...

Naquela região, nas suas praias, nas barcas dos seus amigos, nas praças públicas, num monte próximo, Jesus enunciou as mais belas palavras do vocabulário do amor e entoou o incomparável hino das bem-aventuranças, que nunca mais voltaria a repetir-se, assinalando a Humanidade com as lições que alteraram os conceitos em torno dos cidadãos e das nações.

Naquela Cafarnaum simpática Ele estabeleceu a base do Seu trabalho, das suas praias de pedras miúdas e barcas encravadas nas areias, retirou alguns dos discípulos que O deveriam seguir alacremente, assim como da sua coletoria convocou outrem, a fim de que, um dia, no futuro, narrasse, para a posteridade, os feitos e os ditos que presenciara e ouvira entre deslumbrado e feliz.

Como um Sol de suave calor, ali Ele aqueceu os corações enregelados com o verbo eloqüente da Sua sabedoria, transformando as emoções sofridas em sentimentos de inefável alegria. Naqueles dias, o chamado para a Era Nova ecoava no ádito dos seres, qual música sublime dantes jamais ouvida, e no futuro nunca mais repetida, conforme se fizera naquela ocasião.

As melodias de esperança permaneciam nos pentagramas dasvidas atraídas ao Seu rebanho, alterando as tormentosas aflições a que todos se acostumaram, enquanto favoreciam com a integral confiança em Deus diante de quaisquer circunstâncias.

O sofrimento, que sempre esteve presente na economia das vidas humanas, é mensagem aflitiva, especialmente proposto a quem lhe desconhece a finalidade santificante. Nem todos, porém, o entendem, conseguem retirar o lado bom da ocorrência dolorosa, descambando, pela rebeldia ou pela alucinação, não poucas vezes, para situações vexatórias, angustiantes, que mais lhes complicam a existência.

Mesmo hoje, ainda prossegue dilacerador, enquanto que, naqueles dias, era mais tormentoso, em razão das circunstâncias que o tornaram comum, diminuindo na sociedade existente a compaixão e a solidariedade, tal o número dos afligidos, que terminavam por passar quase invisíveis diante dos olhos da multidão indiferente...

A solidariedade constitui um hábito que se consolida através do amor, surgindo interiormente em forma de compaixão e desenvolvendo-se como atividade fraternal enriquecedora, na qual o doador apresenta-se sempre mais feliz do que o beneficiado.

Os seres humanos necessitam, em caráter de urgência, de conviver com o belo e o luminoso, a fim de acostumar-se com a harmonia e a claridade, deixando-se atrair pela saúde, ao invés de abraçar as dores que os dominam, transitoriamente necessárias, porque a Vida é um ato de amor de Deus e não uma punição da Paternidade Divina. Muitos dos que sofrem, porém, preferem apegar-se aos padecimentos, em deplorável situação autopunitiva, quando deveriam empenhar-se por superar a ocorrência necessária. Foi essa a extraordinária mensagem psicoterapêutica de que Ele se fizera portador, mas quase nunca entendido.

Nada obstante, sempre quando se apresentava em qualquer lugar, os ventos da esperança sopravam vigorosos anunciando-O e atraindo as multidões esfaimadas de compreensão e de misericórdia, que se acotovelam em toda parte para ouvi-lo e receberem a farta messe da Sua generosidade, distribuída fartamente a quantos a quisessem recolher.

Ele conhecia, sem dúvida, as angústias humanas, e sabia diluí-las, apiedando-se dos seus padecentes. Ninguém como Ele para lidar com os conflitos dos indivíduos em aturdimento.

Isto, porém, porque penetrava, com a sua percepção profunda, o âmago das necessidades, identificando- lhes as causas anteriores e os meios adequados para modificar- lhes a injunção penosa.

Enquanto o verbo fluía canoro dos Seus lábios em melodias reconfortantes e lenificadoras, Suas mãos alcançavam as exulcerações tormentosas, abençoando-as, à medida que as mesmas cediam ao leve toque, produzindo a recuperação dos pacientes comovidos.

Pedia-lhes que não voltassem a comprometer-se, evitando-se situações mais graves, por saber que os sofrimentos procedem do Espírito rebelde e recalcitrante, no entanto, logo passavam aqueles instantes formosos e os pacientes mergulhavam nos velhos hábitos que os infelicitaram anteriormente.

Numa dessas ocasiões, após discursar ternamente, trouxeram-lhe um homem mudo, que se debatia nas amarras psíquicas constritoras de cruel verdugo espiritual. Não falava, porque era vítima de uma dominação obsessiva impertinente e vergonhosa.

O desditoso tinha aumentada a dificuldade interior de comunicação em face da vingança desencadeada pelo severo perseguidor, que também o afligia mentalmente.

Era um quadro desolador, que inspirava piedade. Compreendendo a pugna que se travava além da forma física e vendo o insano inimigo do paciente em aturdimento, Ele repreendeu o perverso, exortando-o à libertação da sua vítima, o que aconteceu de imediato, permitindo que o mudo se pusesse a tagarelar entre lágrimas de justificada alegria.

O deslumbramento tomou conta do povo aglomerado que acompanhara a cena inusitada, desdobrando-se em júbilo repentino, seguido de um respeito que chegava quase ao temor.

A maioria, daqueles que ali se encontravam, conhecia o enfermo que agora falava, e não podia entender a ocorrência feliz.

Foram inevitáveis a explosão de sorrisos e os gritos de louvor.

Mas Ele não viera para pôr remendos de tecido novo em trajes gastos, nem para colocar vinho bom em odres sujos, e, logo que passou a euforia da massa, falou aos discípulos, compadecido da multidão que estava cansada e abatida como ovelhas sem pastor:

– A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, ao Senhor da messe, que envie trabalhadores para a mesma.

 

*

 

Até hoje, vinte séculos transcorridos, o vasto campo dos corações continua aguardando o arado amoroso para a sementeira feliz. Muitos chamados, após os momentos iniciais de entusiasmo, deixam a seara entregue às pragas e às circunstâncias ásperas do tempo...

Outros mais, distraídos na frivolidade, arrebanham companheiros para o campeonato da leviandade, piorando-se e a eles a situação moral em que estagiam...

Somente alguns comprometidos com a Verdade permanecem no labor, insistindo e desincumbindo-se das responsabilidades assumidas com festa na alma.

A sua dedicação ao trabalho vale, no entanto, por inúmeros, por incontáveis outros que desertam. Mas não são suficientes...

Ainda assim permanecem também incompreendidos, porque não fazem coro à insensatez nem à promiscuidade, e, não poucas vezes, são tachados de loucos, ultrapassados, ortodoxos, porque procuram servir ao Mestre conforme Ele o determinou.

O festival da ilusão fascina as mentes infantis, que ainda não se podem comprometer com o Divino Pastor. Também Ele, a seu tempo, após haver curado o mudo, foi censurado e acusado pelos fariseus, que, não podendo fazer o mesmo, por lhes faltarem os valores morais necessários, afirmaram, fátuos: É pelo príncipe dos demônios que Ele expulsa o demônio...

 

*

 

 Aquela Galiléia de ontem encontra-se esparramada por toda a Terra, aguardando o Compassivo Libertador, e quando, hoje, alguém a Ele se refere e apresenta-O nos atos, experimenta a chocarrice e a perseguição insana que grassam dominadoras nos sentimentos ultrajados de todos quantos preferem a fantasia e a ignorância. A via láctea de amor, no entanto, alcança lentamente os corações dos seres sofridos e angustiados, nesta grande noite moral que se abate sobre a Terra, através de O Consolador, que Ele enviou para dar prosseguimento à instalação do Reino dos Céus na terra dos corações.

 

Amélia Rodrigues

 

(Página psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco, na reunião mediúnica da noite de 15 de julho de 2006, no Centro Espírita Fraternidade, em Paramirim, Bahia.)   

 

Fonte: revista Reformador, da FEB, de novembro de 2006

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